MÃOS DADAS : UM DVD DE POESIA LUSÓFONA
Lauro Moreira
Não sou poeta, hélas! não escrevo versos – é certo que já escrevi, quando muito jovem, mas o respeito pela Poesia foi sempre tão grande que desisti logo de a continuar maltratando… Passei a ser então apenas um leitor encantado e assíduo, além de um ledor exibido, um diseur que não perdia, e até hoje não perde, a oportunidade de interpretar poemas alheios, desde que tenham, ao menos ao meu juízo, a imprescindível qualidade literária.
Ao longo da vida, sobretudo a partir da adolescência, quando comecei a fazer teatro em peças colegiais e mais tarde em grupos amadores no Rio de Janeiro, dediquei-me à tarefa de divulgar a obra de grandes criadores da poesia em língua portuguesa, não só do Brasil como de todo o mundo lusófono, através de apresentações em colégios, academias, universidades, casas minhas e de amigos, etc. Aos dezenove anos e inspirando-me numa apresentação análoga de Paulo Autran, decidi realizar um recital solo no Rio de Janeiro (com direito a uma estreia off-Broadway em Goiânia, Anápolis e Itaberaí, durante as férias de fim de ano em Goiás), com poemas de Gonçalves Dias (o longo Y Juca-Pirama na íntegra), Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, Mário de Andrade, Bandeira, Cecília Meireles, Jorge de Lima e Drummond, entre outros de igual quilate. Foi para mim uma epopeia: duas horas de um espetáculo dividido em três atos, tudo devidamente decorado e ensaiado. Mas a acolhida do público compensou o esforço e incentivou-me a seguir por esse caminho…
Ingressando, depois de concluir a Faculdade de Direito da PUC-Rio, na Carreira Diplomática, passei a unir realmente o útil ao agradável, divulgando no exterior – sempre que as tarefas específicas dos Postos me permitiam – através de palestras e recitais, o que de melhor havia na poesia lusófona, em um sem número de apresentações na Argentina (meu primeiro posto), Estados Unidos, Espanha, Marrocos e finalmente Portugal, além de Cabo Verde, Angola, Santo Tomé e Príncipe e Guiné Bissau. Os espetáculos, individuais ou acompanhado de colegas e amigos de posto que eu acabava quase que docemente constrangendo a participar, eram, quando necessário, bilingues, com os textos recitados em português e em seguida no idioma local. No caso de Barcelona, por exemplo, em que chegamos a criar um grupo de jograis formado por funcionários do Consulado do Brasil, dizíamos os poemas em português, castelhano e catalão.
Um caso muito curioso, no entanto, ocorreu bem mais tarde, quando lancei no Brasil o meu primeiro CD, um álbum duplo intitulado Mãos Dadas, reunindo obras de 28 poetas de todos os países de língua portuguesa (sete à época, 1997, já que o Timor Leste não era ainda um país independente). Fiz uma apresentação inaugural no Rio, a convite da Academia Brasileira de Letras, seguida de turnê (ou como dizem nossos amigos portugueses, de uma digressão) por algumas capitais, incluindo São Paulo e Brasília, e cidades do interior do país, além de Lisboa e Cabo Verde. Com uma generosa cobertura da midia, o recital acabou gerando um interesse surpreendente, a ponto de esgotar a edição inicial de três mil exemplares do CD. E certo dia, um cidadão rumeno residente em São Paulo telefona para meu gabinete no Itamaraty em Brasília, para saber onde poderia adquirir exemplares do disco, pois tinha a intensão de levá-los para Bucareste e presentear alguns amigos e instituiçõe culturais. Uns três meses depois, recebo com grande surpresa uma carta da Rádio Nacional da Romênia, comunicando que meu CD estava sendo utilizado em um programa transmitido em língua portuguesa. Mais surpreendente ainda foi quando, anos depois, a Embaixadora da Romênia em Brasília, ao sermos apresentados, confessou que aprendera o Português ouvindo sobretudo o tal programa e os poemas de meu disco.
Mas a estória não acaba aqui: certo dia, logo depois da mencionada carta que me fora enviada pela Rádio, recebo diretamente uma comunicação do Museu de Literatura da Romênia, convidando-me a fazer um recital em Bucareste. Em seguida, entra em ação o nosso atuante Embaixador brasileiro naquele posto e ex-Ministro da Cultura do Governo Itamar Franco, meu amigo Jerônimo Moscardo, insistindo para que eu atendesse ao convite – o que me parecia impossível, por falta de tempo e de oferecimento de transporte… Até que um dia, como Diretor do Departamento Cultural do Itamaraty, viajei oficialmente a Paris para a reunião da Assembleia Geral da UNESCO, e uma vez concluída a missão, comprei os bilhetes meu e de minha mulher e viajamos para Bucareste. O que então se passou foi algo de fato surpreendente e absolutamente inédito em minha vida de “diseur”. Com o apoio de três instrumentistas do Conservatório local de música, convidados por nosso Embaixador Moscardo, que promoveu inclusive a tradução dos poemas para o Rumeno e as cópias distribuídas ao público no final da sessão, apresentei um recital de grandes poetas da lusofonia para uma numerosa e atenta plateia que superlotava o salão – e que, com as raras exceções de alguns professores universitários e dos Embaixadores do Brasil e Portugal, nada falavam Português… Fiquei muito impressionado com o que vi e vivi naquela noite, quando a força da poesia acabou criando um momento de absoluta magia. Ainda hoje, revejo às vezes a gravação do recital realizada pela televisão rumena, e não deixo de me admirar.
Anos mais tarde, em 2004, lancei-me em nova aventura discográfica, preparando um CD com poemas de Manuel Bandeira, na voz do próprio Poeta, gravados certa noite em minha casa no Rio de Janeiro, em um antigo gravador doméstico. Bandeira era um amigo querido, que havia sido inclusive padrinho de meu primeiro casamento, com a poeta Marly de Oliveira. A incrível história dessa gravação orginal e seu lançamento em CD 36 anos depois (!) já foi contada neste Quincasblog, no post intitulado Falemos um pouco de Poesia: Manuel Bandeira, o Poeta em Botafogo, publicado em setembro de 2014, o que me dispensa de repetí-la agora para os meus generosos leitores, a não ser para recordar que participei pessoalmente do projeto, interpretando 26 outros poemas em homenagem ao autor de Pasárgada. Dois anos mais tarde, voltei aos estúdios para gravar um álbum duplo com 120 poemas dessa Poeta admirável que foi Marly de Oliveira. Esses últimos CDs, à semelhança do Mãos Dadas, foram também apresentados em dezenas de recitais no Brasil, Portugal e outros países lusófonos.
Por outro lado, sempre tive uma certa resistência à ideia e convites para gravar DVDs de poesia, por acreditar que a palavra poética foi feita para ser lida ou ouvida, e que os eventuais movimentos de câmera, os cortes, as variações de planos acabavam por distrair o espectador, desviando sua atenção do essencial, que é o verso, o poema. Quem acabou me convencendo de que não era bem assim foi meu amigo, poeta e cineasta Alberto Araújo, ao propor-me uma experiência bem sucedida de gravar com ele um DVD, quando eu vivia ainda no Marrocos e ele acompanhava, em 2003, uma turnê do nosso Grupo Solo Brasil, com o espetáculo Uma Viagem através da Música do Brasil que eu havia criado para mostrar a plateias estrangeiras o que há de melhor em nossa música. Pouco tempo depois de retornar ao país, meu amigo me surpreende com um DVD a que ele deu o título de Lauro Moreira: Tecendo Palavras. Vi, ouvi e confesso que me convenci de que, com sensibilidade e conhecimento do realizador, os movimentos de câmera, os cortes pouco usuais e as mudanças de planos podem até mesmo contribuir de modo importante para que o espectador possa deixar-se envolver ainda mais pelas palavras, pelo poema. Vários poemas desse DVD foram colocados no You Tube e tem sido bastante visitados.
Mas tanto eu quanto meu amigo Alberto Araújo (que escreveu e dirigiu recentemente o longa-metragem Vazio Coração, com Murilo Rosa, Lima Duarte, Beth Mendes, Othon Bastos, entre outros), estávamos convencidos de que aquela experiência marroquina deveria ser complementada e consolidada com a realização de um segundo DVD, mais abrangente e contando com mais recursos técnicos. E assim nasceu o projeto, também intitulado Mãos Dadas, inicialmente gravado em minha casa em Brasília há algum tempo, mas só recentemente concluído, com os adendos que sempre julguei fundamentais, referentes à vida e obra de cada um dos 19 poetas lusófonos ali selecionados. Tenho para mim que se trata talvez do primeiro DVD do gênero lançado no Brasil.
E assim, lá vou eu seguindo sem descanso essa agradável missão que o destino me impôs de divulgar por onde tenho passado a rica e diversificada Poesia feita no Brasil e nos demais países de Língua Portuguesa. Neste momento, por exemplo, encontro-me em mais uma de minhas temporadas em Portugal, onde volto a realizar alguns recitais em Lisboa e outras cidades.
Finalmente, e para que os leitores amigos deste Quincasblog possam melhor conhecer a natureza e o resultado deste trabalho, decidi que a partir de hoje, e ao final de cada matéria aqui publicada, independente do tema tratado, incluirei, para visita dos interessados, os links no You Tube de dois poetas constantes deste último DVD, que reúne obras de alguns dos nomes mais significativos da Língua, começando pelo Classicismo de Camões, passando pelo Arcadismo de Gonzaga, pelo Romantismo de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Castro Alves, e chegando ao Século XX com Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Murilo Mendes, Drummond, Bandeira, o caboverdeano Jorge Barbosa, Vinicius, João Cabral e Marly de Oliveira, entre outros. E tudo isso devidamente contextualizado por imagens e breves comentários crítico-biográficos que escrevi sobre cada um dos poetas interpretados.
Não sei se meus parcos leitores concordam, mas acho que assim o Quincasblog ficará mais completo e talvez mais agradável de se visitar, pois ao lado de minha pobre palavra escrita, poderão relembrar a beleza de versos imperecíveis. E para concluir, creio oportuno acrescentar uma breve reflexão que está incluída na capa interna do mencionado DVD, sobre o delicado tema da interpretação de textos poéticos.
Convido-os, pois, a visitar os links abaixo, para verem e ouvirem hoje um pouco de Camões e Tomás Antônio Gonzaga: